
Por Edoarda Sopelsa Scherer
A Reforma Protestante desencadeou processos de rupturas históricas e acontecimentos consequentes das teses de Lutero, no Século XVI, que ainda resultam em possibilidades de reflexões teológicas, pastorais e de inspiração para a constante caminhada cristã, e exigem atualizações aos desafios éticos para cada época, sociedade e tempo. Sinalizo meu contexto de fala, o Sul do Brasil, no qual a história protestante marcou e marca a comunidade local, desde a colonização.
Partindo deste contexto, onde referências morais e valores éticos partem da perspectiva protestante, no dia a dia, sendo ou não luterano(a), é possível reconhecer a contribuição da Reforma para a sociedade brasileira.
É oportuno salientar que que em muitos locais este período histórico sinalizou e representou cisões institucionais e familiares; contudo, atualmente o que se almeja é que as mesmas cicatrizes ensinem e façam ressoar provocações necessárias ao nosso tempo.
No passado, a Reforma Protestante sinalizou que as instituições religiosas e políticas não detêm Deus quando seus representantes não agem de forma coerente com a narrativa anunciada pelo Evangelho. Seja em tempos medievais ou no século XXI, a fé cristã provoca e convida, na essência de sua vocação, ao amor pelo próximo, que de forma concreta implica necessariamente na defesa e dignidade da pessoa humana. Uma dignidade que, de tempos em tempos, tem sido possibilitada para diferentes populações.
Falar de possibilidades de reforma não é um processo agradável. Necessita ao olhar crítico e sincero da fé cristã: seja institucional, comunitárias ou particular. É perceber as dores e as fragilidades do nosso discurso, narrativa e prática: a quem escolhemos amar? Quem é o nosso próximo, a quem legitimamos direitos?
Assim, as recentes reformas - que convocam as Igrejas Cristãs a olharem para o seu tempo e para o povo -, possuem o desafio de respeitar e ressoar vozes invisibilizadas e que conquistaram seu protagonismo na história e buscam por mais acolhida. Deus se atravessa na história do povo negro, das mulheres, dos LGBTQIAP+, dos indígenas, de todas as populações ainda hostilizadas por discursos ditos cristãos. Para a cura da dor é necessário existir o perdão. Antes disso, ao caminharmos juntas e juntos, damos um passo, necessário, às desculpas necessárias frente às feridas históricas que ainda permanecem expostas.

Enquanto sociedade, nos atrevemos a dizer onde Deus está e quem o representa. Mas quais os lugares que o Deus de amor e denúncia não habita atualmente? Ao estar aliado a discursos de ódio, promoção da violência junto a instituições de poder e do Estado de Direito, negar a acolhida institucional aos que não se enquadrem em uma moral vazia, se personifica o imaginário do mal: aquele que desagrega, que não promove a vida, e, sim, a morte. O Deus do poder não pode ser o mesmo Deus que nos provoca à denúncia e promove a dignidade, a justiça, o respeito pelo próximo, por meio da ação humana.
Ao assumir uma postura que enfrente rupturas com o passado, sem dúvida, a coragem se faz presente. Hoje possuímos a possibilidade de celebrar conjuntamente a Reforma Protestante e reconhecer que denúncias e mudanças são necessárias, ao passo de que ainda buscamos espaço de dignidade e reconhecimento frente a discursos e ações que ainda persistem em negar a existência do outro em nome de Deus.
Buscar pela criticidade e novidade, fundamentadas nas fontes da fé, são necessárias para aquelas e aqueles que almejam experimentar o Reino. Possibilita refletir que Deus reside na diversidade da história de irmãos e irmãs, que a força divina conduz e permanece no diálogo e na diferença como conquista de um legado de dores, de alegrias e de vários rostos, testemunhos que almejaram compreender Deus através do seu tempo, por meio de sua comunidade e jeitos de dialogar. A Reforma nos convida, diariamente, a escutar este chamado da esperança em tempos de crise.
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Edoarda Sopelsa Scherer. Advogada. Bacharela em Direito pela UNIVATES, (Universidade do Vale do Taquari, RS, (2015). Graduanda em Teologia pela Faculdade La Salle. Integrante da CREDEIR (Comissão Regional de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso) - CNBB Sul III (2012 até o presente) e do GREDIRE (Grupo de Reflexão para Diálogo Ecumênico e Diálogo Inter-Religioso) da CNBB (2013 até o presente). Integra o Colegiado de Pastoral (2020- até o presente), Pastoral da Justiça e é referencial em Ecumenismo na Diocese de Montenegro. Foi integrante do Comitê Nacional de Respeito a Diversidade Religiosa do Ministério de Direitos Humanos (2014-2019) e presidente do CONIC RS - Conselho Nacional das Igrejas Cristãs da regional do Rio Grande do Sul (2018-2020).
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